Levamos menos de duas horas para percorrer os 160 km de Mumbai até Pune, a “capital do automóvel” da Índia, aproveitando a relativa falta de tráfego das 5 da manhã. Do meu assento confortável na traseira de um VW Jetta, ainda houve bastante tempo para refletir sobre a alarmante profundidade e frequência dos buracos e crateras que salpicam as estradas indianas – e ficar pensando como isso poderia afetar um carro de quatro portas minúsculo, superbarato e aparentemente frágil, com peso de 600 kg e andando sobre rodas finas de 12 polegadas.
Estávamos indo para nosso encontro com o novo Tata Nano, cujo preço de entrada de 1 700 libras (2 500 dólares ou 5 500 reais) é metade daquele do automóvel atualmente mais vendido na Índia, o Maruti-Suzuki Alto. Esse notável carro pequeno da Tata pretende, por meio de um preço espantosamente baixo e custos de manutenção condizentes, permitir que a compra de um carro fique ao alcance de milhões de indianos que nunca tiveram essa chance antes.
É de duvidar que, em toda a história da indústria automotiva, uma empresa tenha buscado com tanta determinação remover o custo como barreira a seus clientes. Para achar um caso semelhante, é necessário voltar 90 anos, ao tempo de Henry Ford, que descobriu eficiências de manufatura que reduziram à metade o custo de um Modelo T. Como admirador da abordagem de princípio semelhante da Tata, inspirada e liderada por seu presidente, Ratan Tata, a última coisa que eu queria era ter de condenar o produto resultante. Essas estradas terríveis iam fazer com que isso fosse necessário?
Fomos para o centro de desenvolvimento da Tata, em Pune. Lá existe uma pista de provas, onde nos encontramos com unidades de testes do Nano, cujas encomendas já começaram a ser aceitas, para chegar às mãos dos primeiros donos em junho. Nosso anfitrião era Clive Hickman, exdono do grupo de pesquisas Ricardo e atualmente chefe de desenvolvimento da Tata.
Segundo Hickman, o desafio foi determinar as necessidades de um tipo totalmente novo de consumidor e criar soluções para problemas que outras pessoas da indústria automotiva considerariam insolúveis. Foi um desafio enorme, aumentado constantemente por Ratan Tata, que repetidamente recusou soluções fáceis, como fazer o Nano ter apenas duas portas, para reduzir custos e peso.
Amantes do estilo minimalista do Citroën 2CV ficarão encantados com o Nano. Ele é carro monovolume, de comprimento e largura quase idênticos aos do Mini original, porém 30 cm mais alto, com bancos simples e painel de plástico em uma peça, um quadro de instrumentos único montado no centro e muito metal pintado aparente, para baixar custos.
Apesar de sua aparência diminuta, o Nano parece espantosamente grande por dentro, devido a sua boa altura e às rodas minúsculas, que invadem muito pouco o interior. O acesso à cabine é tão bom quanto o de carros de luxo, e os bancos podem acomodar quatro pessoas de 1,80 m de uma só vez. O Nano com especificação para a Índia não tem tampa traseira – isso virá mais tarde. Em vez disso, o encosto do banco de trás se dobra para baixo, para que você possa carregar a bagagem pelas portas traseiras.
O motor, um minúsculo dois-cilindros de 623 cm3 todo feito de alumínio, fica posicionado logo à frente do eixo traseiro. Os 33 cv que ele desenvolve a 5 500 rpm impulsionam as rodas de trás através de um câmbio de quatro marchas, com um diferencial integrado. Bem na traseira do carro fica um radiador compacto, cujo ar de refrigeração é coletado por tomadas à frente das rodas traseiras, de ambos os lados.
Ele chega aos 110 km/h mas 90 é sua velocidade de cruzeiro
Perda de peso forçadaA carroceria do Nano é uma cápsula monocoque clássica de aço, sustentada por uma estrutura de apoio tradicional, a fim de fornecer a resistência necessária para aquelas estradas terríveis. Tanto o pequeno motor/câmbio como a suspensão traseira, de braço semi-arrastado e molas helicoidais, são levados em um subchassi tubular de aço. A suspensão dianteira, tipo McPherson, é projetada para o menor peso suspenso possível, da mesma forma que todos os outros componentes das rodas, pneus, freios e suspensão.
Sinais de redução de peso estão em toda parte, mas, espantosamente, nada aparenta ser frágil. Os engenheiros da Tata dizem que o Nano com especificação para a Índia já é capaz, estruturalmente, de atender aos padrões de colisão europeus, mas ele carece dos airbags exigidos por lei e precisará de uma estrutura de colisões extra antes de poder se qualificar para a respeitável pontuação EuroNCAP. Muitos componentes do Nano têm duas e até três funções. Um exemplo brilhante é o tubo de reforço que cruza o carro sob os bancos da frente, para sustentá- los, que ancora também os cintos de segurança e reforça a proteção contra colisões laterais.
Os pneus de 12 polegadas são de largura diferente (135/65 na frente, 155/70 atrás), para assegurar que a distribuição de peso de 60% no eixo traseiro não leve a uma dirigibilidade comprometida, como nos antigos Fusca. A direção é de pinhão e cremalheira, sem assistência, uma vez que o peso na frente é baixo. Todos os freios são a tambor, porque eles trabalham muito bem em um carro leve assim, sem a necessidade de um servofreio a vácuo, pesado e caro.
Medidas para cortar custos estão em toda parte, e o que pode ser incômodo em outros carros é algo vital para a filosofia do Nano. Cada roda é presa por três parafusos, em vez de quatro. O vidro lateral é plano, porque é mais barato. A suspensão não tem barras estabilizadoras, porque acrescentariam custo e peso. Existe uma trava de porta, não as duas usuais. Há só um limpador de para-brisa e nenhum para o vidro traseiro. Em modelos de especificação inferior, o banco do passageiro da frente não desliza e não há ajuste de inclinação. Barulho, vibrações e aspereza são domados por um bom projeto, não por um pacote pesado de isolamentos acústicos.
A primeira coisa que chama atenção quando você vai dirigir o Nano é o fácil acesso através da porta dianteira, alta e notavelmente leve. Os bancos parecem rasos, mas são bem confortáveis. O volante é pequeno, talvez um pouco baixo para motoristas mais altos. Os instrumentos consistem em um mostrador central e há grandes reentrâncias dos dois lados do bloco central, para eliminar a necessidade de um porta-luvas.
Gire a chave e o pequeno motor desperta para a vida com um som até amigável, vindo de baixo dos bancos de trás. A alavanca de câmbio engata facilmente a primeira com uma ação curta, a embreagem é leve e há torque suficiente para uma partida fácil, sem elevar a rotação excessivamente. O único valor de aceleração fornecido pela Tata para o Nano (0 a 60 km/h em 8 segundos) não é nada encorajador. A realidade é que o carro parece acelerar e ir em frente relativamente bem. Não é rápido, mas é honesto.
Dançando na curvaO motor tem injeção eletrônica (que atende aos padrões de emissões Euro IV) e o sistema de gerenciamento limita a rotação a 5 600 rpm. Forçar o Nano não é muito produtivo. É mais divertido – e quase tão rápido – levar o carro no seu ritmo, trocando de marcha em torno dos 5 000 rpm (não há conta-giros). O torque do motor no meio da faixa de rotações dá conta, mesmo levando quatro pessoas. Dirija bem e você não ficará muito atrás dos outros carros: a velocidade máxima é de 110 km/h, segundo os engenheiros, mas uma velocidade de cruzeiro realista é em torno de 90 km/h. Para a maioria das estradas indianas, isso é rápido o suficiente.
Nas curvas, o Nano inclina a carroceria como os carros franceses antigos, mas também tem aderência igualmente tranquilizadora. A combinação de uma geometria inteligente e pneus traseiros de tamanho diferente do dos dianteiros deixa o carro praticamente neutro, embora nossas tentativas de curvas no limite mostrem um desvio radical dos pneus traseiros. Nunca tivemos uma desgarrada, no entanto. O Nano simplesmente passou a sensação de segurança e previsibilidade. Ele também parece ser admiravelmente rígido e estável.
Uma coisa sobre o Tata Nano se sobrepõe a tudo: o preço de entrada de 1 700 libras (2 500 dólares). Ele precisa ser levado em conta sempre que você pensar em propor uma melhoria. Um exemplo é minha percepção de que o carro poderia ter um amortecimento melhor das irregularidades do piso. Às vezes ele pula muito em estradas com ondulações. Mas, para mudar isso, você teria de trabalhar na firmeza da suspensão, adicionando peso e custo de barras estabilizadoras, minando a filosofia do carro. Muitas melhorias são teoricamente possíveis (e virão juntas em um pacote europeu para 2012, saltando para 4 000 libras, ou 13 000 reais).
Quando voltamos para Mumbai no Jetta, deime conta de que ninguém além dos indianos poderia ter feito esse carro. Os americanos jamais o teriam percebido como um negócio rentável. Os alemães o teriam enchido de tecnologia e deixado de lado a economia de custos.
Assim, o Tata Nano prova que a Índia pode dar lições ao resto do mundo automotivo. Ele pode ser pequeno e barato, mas o bebê da Tata pode eventualmente provar ser tão influente quanto o Mini original foi 50 anos atrás.
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